A BEI Editora está lançando “Trilhos na selva: O dia a dia dos trabalhadores da ferrovia Madeira-Mamoré”, obra que surge de uma descoberta casual de dois pesquisadores norte-americanos (mórmons, pais de David Neeleman presidente da Azul Linhas Aéreas) e que trouxe uma nova luz sobre a vida dos funcionários da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, construída na Amazônia entre 1907 e 1912 e a pelidada, por causa ao alto número de mortes de trabalhadores, de “ferrovia do diabo” ou “ferrovia da morte”.
Estudando a presença de ex-confederados no Brasil, Gary e Rose Neeleman tiveram acesso aos pertences de um imigrante norte-americano que trabalhara na estrada de ferro. Entre eles havia algo de precioso: fotos inéditas e exemplares do jornal The Porto Velho Marconigram, escrito e editado por funcionários americanos da ferrovia. Até então, o único material iconográfico disponível sobre o assunto era o conjunto de fotografias do nova-yorkino Dana Merrill, abrigadas no Museu Paulista da Universidade de São Paulo e em um álbum montado pelo próprio fotógrafo e preservado na Biblioteca de Nova York.
As fotografias reunidas em Trilhos na selva: O dia a dia dos trabalhador da ferrovia Madeira-Mamoré são, em sua grande maioria, de Merrill além de reproduções de imagens já conhecidas, há versões com pequenas variações delas e outras inéditas. O livro traz ainda reproduções das páginas do Marconigram, e destaca os poemas – alguns de surpreendente qualidade – nele publicados. A partir desse material, os autores traçam um painel comovente e profundamente humano da vida cotidiana de personagens que, lançados no coração da floresta, participaram de uma das mais dramáticas aventuras da história contemporânea.
OS AUTORES
Gary John Neeleman e Rose Maurine Neeleman são naturais de Salt Lake City, nos Estados Unidos. Ambos são bacharelados em artes. Rose mudou-se no fim dos anos 1950 para Nova York e, em seguida, para São Paulo, acompanhando o marido, correspondente na United Press International. Gary veio ao Brasil pela primeira vez em 1954, aos 20 anos de idade, como missionário de A Igreja de Jesus dos Santos dos Últimos Dias. Em 1958 transferiu-se com a família para o país, onde viveria até 1966, atuando como correspondente da United Press International.
SOBRE GARY NEELEMAN (JORNAL O GLOBO)
RIO - Em meados dos anos 60, quando morava em Nova York, o ex-presidente Juscelino Kubitschek pegou um avião e voou até Salt Lake City, capital do estado americano de Utah. Lá fez uma palestra para universitários sobre os desdobramentos do golpe militar de 1964. O que o levaria a reservar algumas horas na agenda para conversar com estudantes do distante Oeste americano que pouco sabiam sobre sua trajetória política? Um simples telefonema de um velho amigo.
- O Brasil passava por momento conturbado, e havia dúvidas quanto à posição de Kubitschek. Aproveitei que ele estava nos EUA (em exílio, após ter seus direitos políticos cassados), e pedi que falasse com os alunos - lembra o veterano jornalista americano Gary Neeleman, autor do telefonema e formado pela Universidade de Utah.
Nascido em Salt Lake, Neeleman - hoje mais conhecido por ser pai do empresário David Neeleman, fundador da aérea Azul - havia se tornado próximo do ex-presidente quando trabalhava como correspondente da United Press International (UPI) no Brasil, de 1958 a 1965. Durante esse período, participou de importantes coberturas jornalísticas, como a inauguração de Brasília e a tomada do poder pelos militares. Também produzia o "Repórter Esso", então principal programa noticioso do país.
Notícia à moda brasileiraAqui, aprendeu um jeito peculiar de apurar notícias, à moda brasileira, como diz. Em 1961, poucos dias antes da posse de Jânio Quadros, o transatlântico português Santa Maria foi sequestrado no litoral de Recife por um grupo que protestava contra o regime salazarista. Ao saber do episódio, Neeleman correu para a casa de Jânio, debaixo de tempestade, para tentar descobrir o que ele faria quando assumisse o governo. Barrado na porta, chamou os seguranças do futuro presidente para tomar café e comer sanduíche de mortadela em um bar. E saiu de lá com um furo.
- Ganhei a confiança deles jogando conversa fora, como fazem os brasileiros. Assim, consegui acesso a Jânio, que disse que devolveria o navio a Portugal, mas deixaria a tripulação ficar no Brasil. No dia seguinte, foi manchete no mundo todo.
Aos 76 anos, é consultor de mídia para grupos como a Washington Post Company, que edita o jornal de mesmo nome e a revista "Newsweek", e transita com facilidade entre os mundos político, econômico e esportivo. Seu filho, David, nascido no Brasil, não esconde a influência do pai sobre os negócios.
- Ele não atua no dia a dia da Azul, mas ajuda bastante porque conhece muita gente.
'Elétrico e espírito jornalístico incansável'Foi em uma missão para a A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias que o jornalista americano veio ao Brasil pela primeira vez, em 1954, aos 19 anos. Não falava uma palavra de português e nunca havia comido feijão com arroz antes. Vem dessa época seu encanto pelo povo brasileiro. O ofício de cônsul honorário é mais uma forma de ele se manter próximo ao país que considera sua segunda pátria.
Foi por meio de sua extensa rede de relações pessoais que ele chegou ao posto. A recomendação ao então embaixador do Brasil em Washington Rubens Barbosa foi feita por Júlio Moreno, atual gerente da diretoria de educação da Fundação Padre Anchieta, que sustenta a TV Cultura. Moreno conheceu Neeleman nos anos 90, quando trabalhava num projeto sobre o futuro dos jornais na Agência Estado e logo ficaram próximos.
- Ele é elétrico e tem um espírito jornalístico incansável - diz Moreno sobre o amigo.
Da união de mais de 50 anos com Rose Neeleman tem uma família para lá de grande. São sete filhos - três deles nascidos no Brasil -, 33 netos e quatro bisnetos. Quando não está com eles, o jornalista está trabalhando. Mas não desgruda de Rose, seu braço direito. Com a visão debilitada devido a uma queda ocorrida há dez anos, ele depende dela para dirigir o carro e fazer a pesquisa sobre seus livros. O mais recente conta a história Madeira-Mamoré, estrada de ferro construída entre 1907 e 1912 para ligar Porto Velho (AC) a Guajará-Mirim (RO) e famosa pelos dez mil operários que morreram em suas obras em plena selva. O livro traz mais de 120 fotos inéditas sobre a ferrovia e deverá ser lançado em 2011 pela editora BEI. Embora baseado em ampla documentação, pode-se dizer que é quase uma obra do acaso.
Em meados dos anos 60, quando Neeleman fazia uma reportagem sobre os cem anos da guerra civil dos EUA, esteve em Americana (SP), onde concentram-se herdeiros de confederados americanos vindos para cá em 1866. Desde então, os visita de tempos em tempos. Em uma dessas visitas, Judith Mckight, já falecida, lhe deu um presente inusitado: uma lata enferrujada que Neeleman guardou no armário por anos a fio. Até que resolveu abri-la uma década atrás. Lá estavam as mais de 120 fotos que ilustram o livro.
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