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terça-feira, 6 de março de 2012

Portugal - Jornal "PÚBLICO" Faz Reportagem Sobre a Vida de uma Mulher Mórmon

Mórmons em Portugal: “Perdi muitos amigos” 


Por Margarida Santos Lopes 
A mãe obrigava-a a levantar-se cedo para ir à missa, mas quando leu o “Livro de Mórmon” a católica Maria José Gonçalves sentiu que a sua Igreja era outra. Hoje filhas, genros e netos são todos “Santos dos Últimos Dias”.

A Sociedade do Socorro é uma das organizações femininas mais antigas do mundo, criada em 1842 por Joseph Smith, o fundador da Igreja dos mórmones, e Maria José Gonçalves é presidente de um dos seus ramos. Na sala onde se reúne com as companheiras de fé, na capela da Avenida Gago Coutinho, em Lisboa, a antiga telefonista que agora é também directora do Centro de História da Família dos Santos dos Últimos Dias, exulta ao relatar a sua conversão.

“Fui educada como católica”, conta. “A minha mãe obrigava-nos a acordar muito cedo para ir à missa. Afastei-me porque saí de casa muito cedo. Fui para Angola em 1969, e só em 1975 voltei a Portugal, quando o meu marido adoeceu. Ele era ateu, mas quando precisou de fazer um transplante renal, pediu a Deus mais dez anos de vida para ver as filhas criadas. Uma das minhas cunhadas começou a falar-me na Igreja SUD, a que ela já pertencia. ‘És maluca’, disse-lhe, mas numa ocasião aceitei ir a uma das actividades, a ‘Festa da Primavera’. Fiquei fascinada. Além de orações, havia lanche – há sempre comida –, cânticos, hinos e baile. Umas missionárias perguntaram-me se podiam ir lá a casa. Concordei e minha [filha] Gina foi a primeira a ser baptizada, a 2 de Fevereiro de 1986.” 

No mês seguinte do mesmo ano, seguiram-se a própria Maria José (“senti que o ‘Livro de Mórmon’ era mesmo verdadeiro’) e a outra filha. “Já o meu marido foi mais difícil”, admite. “Bebia álcool e café e fumava muito, três maços por dia, mas conseguiu encontrar vontade para abandonar os vícios”. Foi baptizado em Maio de 1986. Morreu em 1993, após cumprir um sonho: “O de nos selarmos para toda a eternidade.” Para se casar num templo SUD, na Suíça, a mulher juntou “moedinhas de 20 escudos durante quase dois anos de muitos sacrifícios”. 

A conversão de Maria José não incluiu apenas o baptismo mas também “a selagem para a eternidade” de pais, filhos e netos. E porque ela acredita que até os mortos precisam de “expiar os pecados e serem salvos”, enviou para a Igreja SUD “cerca de mil e tal nomes” de antepassados mortos para serem também baptizados postumamente, por intermédio de voluntários que aceitam ser totalmente imersos em água, umas 10 ou 15 vezes cada um. Esta é uma “ordenança”, a par do casamento e da selagem, que só pode ser efectuada nos templos (fechados ao domingo, totalmente interdito a estranhos “é o mais próximo que estamos de Deus e não podem ser profanados”, e sem qualquer ligação a redes de Internet por questões de segurança).

O baptismo das crianças só é possível a partir dos 8 anos – “a idade da responsabilidade”, mas os jovens dos 12 aos 18 já podem fazer baptismos póstumos. “A minha neta Andreia está ansiosa pelos 12 anos para ser baptizada” em nome de familiares falecidos, regozija-se Maria José. Nesta cerimónia, todos vão vestidos e calçados de branco, incluindo as solas dos sapatos, sem relógio e outros adornos, em sinal de pureza.

Os colegas malandros

Reformada do grupo Salvador Caetano, Maria José confessa que tentou, sem êxito, converter antigos colegas. “Quantas vezes não falei com o Martinho, o Castilho e a Helena Oliveira, porque gostava de me encontrar com eles no reino celestial”. Eles ouviam-na sempre, mas nunca foram ter com ela aos locais para onde ela os convidava. “E os malandros do Benfica e do Sporting que, quando o meu FC Porto ganhava, diziam palavrões só para me irritarem? Não me esqueço do que me disse o Carlos Santos: ‘Mulher séria não tem ouvidos’ ”, lembra divertida. Linguagem obscena é proibida entre os mórmones. 

“Também havia momentos em que, no meu gabinete, enquanto eu lia as Escrituras ou fazia crochet, se aproximavam, de mansinho, o Anselmo e o Vítor Ribeiro só para expelirem o fumo do cigarro para cima de mim – e eles sabiam que a minha religião proíbe o tabaco.” Em todo o caso, Maria José guarda desses tempos memórias felizes. Já fora do emprego, teve outros dissabores.“Custou-me muito, mas perdi muitos amigos quando me converti”, lamenta. “Havia pessoas tão chegadas, como a madrinha da minha Gina, que depois se afastaram – nem sequer foram ao funeral do meu marido, e isso entristeceu-me.” Mas não se arrepende: “Ganhei muitos irmãos e irmãs de fé”. Tem orgulho neles e realça o exemplo daqueles que “vendem casas e móveis”, para se poderem casar num templo SUD no estrangeiro, uma vez que em Portugal ainda não existe nenhum, embora já haja licença desde 2010 para o construir.

Maria José exibe uma espécie de cartão plastificado que tem de ser revalidado de 2 em 2 anos, depois de duas entrevistas, primeiro com o “presidente de ramo ou bispo” e depois com o “presidente da estaca” (diocese). Qual exame de consciência, ela tem de confirmar que “guarda os mandamentos, cumpre a lei da castidade, paga o dízimo, aceita as responsabilidades e os líderes.”

Às quartas, quintas e sextas-feiras à tarde, a “jóinha”, como os colegas a tratavam, passa os dias na sala de microfilmes a apoiar os que vão consultar (gratuitamente) cópias dos registos familiares que integram a maior base de dados genealógica do mundo – guardada debaixo de uma montanha rochosa, “à prova de tudo”, nos EUA. Ela domina bem as máquinas e até decifra caligrafias ilegíveis do Centro de História da Família a que preside, e onde podem ser consultados documentos até ao ano de 1500. Todo este trabalho minucioso de arquivo, aprovado pelo Ministério português da Cultura, foi levado a cabo por voluntários mórmones.

Aos sábados, Maria José não perde as múltiplas actividades da capela de Sacavém, a sua área, e aos domingos participa activamente nas três horas de celebração religiosa e festividades, que incluem preparar e distribuir refeições na sua casa ou na cozinha comunitária. Outro dia bom é segunda-feira, quando a família, seguindo a tradição mórmon de “reforçar a união e as crenças de pais e filhos para serem mais felizes”, se junta num encontro de uma hora, para ler o Evangelho mas também para brincar com as crianças (“não somos muito de sermões”). Nesta reunião, a música (“um deleite para o coração, porque acreditamos que estamos a orar a Deus”) está sempre presente.” Será, talvez, por isso que o Utah, onde a Igreja SUD tem a sede, em Salt Lake City, é o estado norte-americano onde se vendem mais pianos e harpas.

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